Uma fábrica de amostras para testes clínicos, insumos para a produção de biofármacos, começa a sair do papel com investimento de R$ 12,2 milhões na Unesp de Botucatu, no interior paulista. A licitação para a construção da fábrica foi vencida pela empresa 2N Engenharia, que deve entregar as novas instalações à universidade em 2023. O projeto prevê que o prédio, de 1,5 mil metros quadrados, funcione também como escola universitária, favorecendo as pesquisas científicas para novos medicamentos e agregando conhecimento científico aos alunos.
“O Brasil não é autossuficiente em insumos estratégicos da indústria farmacêutica e isso ficou evidente no debate da produção da vacina da covid”, explicou Pasqual Barretti, reitor da Unesp. “Somos dependentes, por exemplo, da China”, disse o reitor. “Hoje, não temos opção a não ser entregar o produto da pesquisa à iniciativa privada”, disse, referindo-se a um período de tempo de três anos existente entre a descoberta científica na bancada da academia e o desenvolvimento de um remédio. “Esse período é o que os pesquisadores científicos chamam de vale da morte”, acrescentou.
Verba
A nova fábrica/escola foi aprovada pelo Ministério da Saúde em 2018. O projeto foi idealizado pelos pesquisadores Rui Seabra Ferreira Junior, veterinário, e Benedito Barraviera, médico, do Cevap (Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos).
Atualmente, o orçamento da Unesp está em R$ 2,98 bilhões, com previsão de chegar a R$ 3,34 bi em 2022. A proposta orçamentária do governo estadual prevê um valor de R$ 3,78 bilhões para a Unesp, sendo R$ 3,34 bilhões provenientes dos repasses vinculados ao ICMS. O orçamento está em discussão e será votado em dezembro no Conselho Universitário. O valor global representa um acréscimo de 22% em relação ao de 2021. O orçamento estadual do próximo ano prevê um total de R$ 17 bilhões para as três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) e para a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), um valor considerado recorde.
Para Barraviera, um dos idealizadores da fábrica de insumos “, trata-se de um projeto de Estado, não é um projeto de governo”. “Começamos em 2010. Atravessamos quatro presidentes e quatro reitores”, afirmou ao Estadão. “No início, o governo federal percebeu o déficit crescente da balança comercial na saúde, particularmente em medicamentos. Agora, estima-se que seja de US$ 30 bilhões. No âmbito da saúde, claro, piorado com a pandemia.
O cientista contou que “se por um lado a agropecuária coloca recursos, que é o que está mantendo o país, na saúde ocorre o contrário: importa tudo”. Segundo ele, o Brasil é um grande envasador de produtos farmacêuticos. “Ouvi que o Brasil já gastou R$ 30 bilhões com a compra de vacinas. São números vultosos para manter a saúde do nosso povo. Lá em 2010, perceberam isso e começaram a desenvolver produtos estratégicos para o SUS.”
Ele lembrou de uma pesquisa anterior, na qual desenvolveu o remédio Selante de Fibrina. “Começamos essa caminhada com anuência da Anvisa. Aí percebemos que, para se ter um produto biológico, estamos falando de biofármacos, temos de ter as boas práticas de fabricação, a chamada área limpa para produzir o insumo em fábricas”, contou. “Mas o Brasil não dispõe. Temos chão de fábrica, mas para produção em escala. Manguinhos, Butantan e outros que têm esse chão de fábrica, mas para produtos em escala. Não são para pesquisa clínica. Os dois produtos que iniciaram isso foram o Selante de Fibrina, para tratar feridas, e o soro antiapílico, em 2013, para múltiplas picadas de abelha”, lembrou.
Produto
Ele avalia que a nova fábrica vai permitir a produção de pequenos lotes de insumos para viabilizar a pesquisa. “Lotes com 500 amostras, por exemplo. Um projeto de fase 1, em geral, com 50 pacientes, depois tem a fase 2, com 200, 300, e na fase 3 já são centenas de pacientes. Isso não é feito pela indústria, porque ela teria de parar toda a produção para fazer lotes de amostra. Isso vamos fazer.”
Segundo o professor Rui Seabra, que em 2011 visitou centros de pesquisas na Itália, França, Suíça e Espanha, para conhecer os processos, os cientistas brasileiros identificaram o que no mundo é conhecido como o “Vale da Morte”. “As indústrias não absorvem a tecnologia criada na bancada da pesquisa. E a gente tem muita coisa boa nesse sentido. Na área médica esse é um problema.”
“Visitamos alguns centros europeus para compreender o conceito de CDMO (Contract Development and Manufacturing Organization). São organizações que trabalham no desenvolvimento de medicamento desde a pré-formulação, produção em escala ainda laboratorial, a escalabilidade para produção industrial em larga escala”, relatou Seabra.
“Será o único no Brasil. Há apenas um, no México pela proximidade com os EUA. As facilities são procuradas pelas indústrias para realizar de maneira muito mais rápida os processos que envolvem risco. A AstraZeneca pegou a tecnologia da vacina da Universidade de Oxford e contratou duas ou três CDMO para o desenvolvimento dos primeiros lotes da vacina. Depois foram construídas fábricas maiores. A Pfizer também fez isso.”
Fonte: Leia Noticias com R7